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José do Rosário Martins, Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava : “O nosso propósito são investimentos que sejam assertivos e voltados para as pessoas”
São Nicolau estava numa curva ascendente, com, por exemplo, a perene carência de transporte a ser colmatada. Notava-se já um maior dinamismo em várias vertentes. Depois veio a pandemia…
E é neste cenário que José do Rosário Martins (MpD) foi eleito presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava, nas passadas eleições de 25 de Outubro, sucedendo ao independente Pedro Morais (que não se recandidatou).
Nesta conversa com o Expresso das Ilhas, o recém-empossado edil diz, sem complexos, que as boas iniciativas serão continuadas e frisa que a prioridade é o “aproveitamento dos recursos endógenos”. Pragmaticamente, a agricultura é agora uma das maiores apostas do município, com olhos numa modernização do sector, reformando as ideias de água e do solo, e na criação de uma plataforma de logística, criando-se toda uma cadeia de valor. Afinal, é preciso contar com o que a ilha dá, para lá dos choques externos difíceis de controlar.
Qual a sua expectativa, para os próximos 4 anos. Qual a visão que tem para o concelho?
Aquilo que tínhamos assumido na altura da campanha e está explícito na nossa plataforma. A nossa grande aposta está assente em três eixos fundamentais: a agricultura, a pesca e o ordenamento do território. Na parte da agricultura, a aposta é em novas tecnologias, energia renovável, uma agricultura inteligente. Em termos da pesca, é o apoio aos pescadores, criação das condições de logística, portanto, frio, produção de gelo para a conservação do pescado, mas também reforço das entidades ligadas ao microcrédito no sentido das pessoas poderem materializar os seus projectos ligados ao sector. Estamos a falar de embarcações, motores, todos os materiais que entendemos ser necessários para que tenhamos uma dinâmica mais forte utilizando as potencialidades do município e da ilha.
Falou nas pescas. Geralmente quando pensamos em São Nicolau, associa-se mais o sector ao outro concelho. Esta é uma ideia errada?
Temos duas grandes comunidades piscatórias, estamos a falar da Preguiça e do Carriçal. São zonas que, também, dada a localização, estão próximas de importantes bancos de pesca na ilha, mas carecem de equipamentos, meios, estou a falar em especial da embarcação semi-industrial, que possa melhorar a captura e aproveitar as potencialidades que há na ilha e que se vão criando com o governo, tendo em conta o complexo de pesca do Tarrafal, que será também um local onde poderão colocar os seus produtos. Temos a fábrica SUCLA [no Tarrafal de São Nicolau] que também pode ser um local onde poderão abastecer. Estamos a falar de rendimentos para as famílias e em mudar a situação actual de algumas famílias ligadas ao mar.
Mas ainda sobre imagens mentais. Ribeira Brava, pela sua história, está associada à ideia de polo cultural e educativo. O que pensam fazer para que se efective e retire dividendos dessa herança e estatuto conceptual do município?
Temos o carnaval que já é um produto de excelência da ilha e vamos trabalhar junto com os organizadores, os ‘fazedores’ do Carnaval, no sentido de aproveitar o máximo das potencialidades que estão à volta do Carnaval e ter uma economia voltada para a cultura e o Carnaval. Também queremos aproveitar a parte histórica e cultural da cidade da Ribeira Brava, no sentido de esta ser um atractivo turístico. Já temos algumas actividades que estão a decorrer no concelho e na ilha e queremos aproveitar as que são boas, claro. No caso, o Festival de Caminhadas [Meetup Trekking] e também integrar a parte histórica e cultural da ilha e do município. Temos as festas do município, no sentido de resgatar essas festas que outrora traziam dinâmica e movimentação económica e financeira à ilha. Outro grande momento, a nível cultural é durante o período de Verão. A maior parte da nossa população está fora da ilha e é um período que escolhem para a visitar. Então, queremos ter uma oferta cultural bastante atractiva e dinâmica e também aproveitá-la como forma de criação de riqueza, pois, sobretudo para quem está ligado aos eventos, são oportunidades de emprego e rendimento.
Como disse, grande parte da população está fora de São Nicolau. Uma das queixas dos jovens é que não há oportunidades e por isso têm de sair da ilha à procura de rendimentos. Que visão para esses jovens?
De facto é visível a falta de investimentos, no passado, que dessem resposta àquilo que são os anseios da nossa juventude. Queremos trabalhar com eles. Trabalhar juntamente com os nossos jovens, no sentido de criar alternativas. No que toca à parte da Formação Profissional, Formação Superior, mas também à criação de condições de emprego, envolvimento empresarial, a par também de fomentar iniciativas no sentido de dinamizar a economia à volta da nossa juventude. Está para arrancar, em breve, o Centro de Formação Profissional de São Nicolau, na Ribeira Brava. Esperamos que seja um lugar para preparação dos nossos jovens, mas também com uma formação voltada para o mercado, mediante aquilo que são as ofertas de emprego que possam surgir, ou estejam predispostas para ser geradas no município. Outro aspecto tem a ver com a criação de uma incubadora de empresas, voltada para vários domínios, de acordo com o que é a vontade de cada um fazer, mas também as suas vocações. Como disse, é um município com grandes potencialidades a nível de agricultura e pecuária…
Mas os jovens estarão interessados nessas áreas?
Estamos a falar de investimentos na agricultura com novas tecnologias para criação de riqueza. Outro aspecto também a ver com a criação dos centros de logística tanto para a vertente agrícola, como para a pecuária. Serão espaços que gerarão empregos indirectos, não só no sector da agricultura, mas ligado a outras áreas de formação – gestão, economia, etc. É uma cadeia de empregos que acaba por se gerar.
E quanto às novas tecnologias para a agricultura. Em específico, que tecnologias são essas?
Por exemplo, a aposta na agricultura em estufas, para produção de tomate, de pimentão… São produtos que têm mercado, a nível nacional, e geradores de riquezas. Queremos criar cadeias de valor, procurar o mercado nacional para colocação desses produtos. O nosso micro-clima favorece esse tipo de aposta. Estamos a falar também da produção hidropônica, A nível da ilha ainda não há unidades, seria uma inovação sobretudo para mulheres chefes de família e jovens. A riqueza está quase directamente ligada à agua e ao solo e muitas mulheres vivem em condições de vulnerabilidade ou pobreza, não têm a água nem o solo, daí uma das apostas para contornar a situação seria nesse sentido. Estamos a falar também da mobilização da água com base em energias renováveis e criar autonomia e resiliência para os choques externos que ultrapassam as nossas capacidades e que está tradicionalmente ligado a outras fontes para fornecimento de energia.
Exportar para o país. Mas, entretanto, um dos grandes problemas que sempre foi apontado em São Nicolau é a questão dos transportes. Qual a sua avaliação da situação actual dos transportes?
Há questões estruturantes que dependem claramente do governo. Antes da covid a situação estava muito boa, muito melhor, de longe, do que em 2016. Infelizmente dada a situação da covid veio uma ruptura de ligações e neste momento temos uma ligação aérea uma vez por semana, o que não dá resposta àquilo que queremos no futuro. Não é suficiente sobretudo do ponto de vista do desenvolvimento do turismo, mas também a nível de quem tem uma agenda laboral.
Mas estava melhor?
Estava. Já havia dois voos por semana, e a percepção é que as pessoas já estavam a sentir [o efeito], já havia mais turistas, havia mais pessoas que se deslocavam entre as ilhas. O transporte marítimo também estava excelente, havia barcos quase todos os dias para a ilha… São Nicolau tem sempre gente que quer visitar a ilha. Desde que haja frequência, regularidade, qualidade e que [o transporte] seja confiável, há sempre pessoas. Agora exige tempo para que as pessoas ganhem confiança e voltem a visitar São Nicolau por razões profissionais, familiares ou de lazer.
Então, alguns problemas já estavam a ser resolvidos. Entretanto veio esta pandemia. Houve alguma alteração na sua visão, e da sua equipa, para o município, na forma como estava a pensar encaminhar Ribeira Brava?
A nossa visão, estava a ligar aquilo que eu disse das grandes potencialidades e aproveitamento dos recursos endógenos do município e da ilha. [São Nicolau] tem grande potencialidade para o desenvolvimento do turismo, mas tendo em conta a situação, em que não há previsibilidade quanto ao término da pandemia, tentarmos fazer uma aposta no turismo seria bastante arriscado porque o turismo depende em boa parte das pessoas que vêm de fora. Então a nossa aposta, para além das condições natas da ilha, está na agricultura e pecuária. Como se sabe 70 a 80% daquilo que que consumimos é importado e se conseguirmos produzir para abastecer a nível local e boa parte nacional estamos a gerar rendimentos. É certo que há outras coisas. É certo que em condições normais poderemos ter um desenvolvimento diferente daquilo que será no contexto de pandemia, dado que é um momento de incertezas para todos.
Ainda está a tomar o pulso ao concelho, mas pela campanha e pelo seu próprio percurso, já vem conhecendo como as pessoas se sentem. Assim, qual é o espírito dos sanicolaenses neste momento?
Sobretudo entre os jovens, há grande expectativa na nossa equipa e faremos de tudo para não defraudar as expectativas e a confiança depositada em nós. Sabem que boa parte das questões não depende da Câmara, que tem parcos recursos e receitas relativamente baixas, basta ver a contribuição que temos dado par o PIB. Há um conjunto de mecanismos que o governo tem disponibilizado para os municípios com estes problemas, entendemos que isso poderá no futuro arranjar alternativas. E que os investimentos sejam assertivos e voltados para as pessoas. É isso que é o nosso grande propósito: lá onde é possível fazer uma boa gestão e o uso racional e sustentável dos recursos para que melhoremos de facto a situação e a vida das pessoas.
Última pergunta: a ilha tem dois concelhos. De que maneira eles se complementam e que relação esperam vir a ter com a outra Câmara, que até é da mesma cor?
Esta ilha, este país é de uma cor. Temos as nossas opções político-partidárias, mas na hora do trabalho somos um só. Seremos dirigentes de todos. [Com Tarrafal] acredito que funcionará na base da complementariedade e há projectos e programas intermunicipais. Há um projecto, na questão da água que deverá integrar os dois municípios, para a viabilidade económica da produção, gestão e distribuição da água. Estamos a falar a nível do saneamento, também essa combinação entre os dois municípios. A própria criação de empresas intermunicipais, mas também a Associação de Municípios de SN. A própria criação da Sociedade de Desenvolvimento Regional de São Nicolau será um elo de ligação entre as duas câmaras municipais, o governo, os parceiros e investidores nacionais e internacionais, para que estes dois municípios sigam em frente e tragam o desenvolvimento há muito desejado.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 993 de 9 de Dezembro de 2020.