Economia
Bancos de Cabo Verde só para clientes não residentes fecham este ano
Os bancos cabo-verdianos que trabalham apenas com clientes não residentes, como o BIC ou o Montepio Geral, e que não pediram a transformação para licença genérica, vão ser encerrados até ao final do ano, segundo o Governo.
“Demos um prazo até finais de 2020. Quem não obtiver a licença [genérica] será encerrado”, começou por explicar, em declarações à Lusa, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, garantindo tratar-se de um processo iniciado em 2018 e que não está relacionado com o processo ‘Luanda Leaks’, investigação jornalística que levantou dúvidas sobre o BIC Cabo Verde, detido pela empresária angolana Isabel dos Santos.
Referindo que a decisão foi tomada “muito antes” do processo ‘Luanda Leaks’, Olavo Correia afastou qualquer relação com a investigação jornalística conhecida este mês.
Acrescentou que essa decisão, de terminar com as licenças restritas — que permitiam aos respetivos bancos trabalhar apenas com clientes não residentes e com depósitos em moeda estrangeira — foi assumida “em função do futuro” desejado para o sistema financeiro cabo-verdiano.
“Desde 2016 que pensamos na solução. Não podemos ‘correr’ com as instituições [bancos de licença genérica]. Até prova em contrário, são pessoas do bem. Por isso, temos de dar um prazo para adaptação. Mas a decisão é irreversível”, assumiu o ministro das Finanças.
O BIC Cabo Verde encontra-se licenciado ao abrigo do Regime das Instituições Financeiras Internacionais, “tendo por objeto principal a realização de operações financeiras internacionais com não residentes neste Estado, em moeda estrangeira”, lê-se na informação da própria instituição.
O Banco de Cabo Verde (BCV) anunciou em janeiro que vai retirar “as devidas consequências” da inspeção em curso desde finais de 2018 ao banco BIC Cabo Verde. A posição consta de um comunicado do banco central cabo-verdiano na sequência da informação veiculada no âmbito da investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), processo conhecido como ‘Luanda Leaks’, que aponta o BIC-CV como utilizado pela empresária em contratos com origem na China de proveniência duvidosa.
Na prática, o Governo abriu em 2018 a possibilidade aos bancos com autorização restrita – que contavam com benefícios fiscais e que são associados a contas ‘offshore’ – de pedirem junto do BCV a conversão em licença genérica, passando a trabalhar com clientes residentes.
“Era para ter acontecido até finais de 2019, mas o processo de autorização é exigente e complexo e por isso decidimos dar mais um prazo adicional até dezembro 2020”, explicou Olavo Correia, garantindo: “Em janeiro de 2021, só licença genérica”.
Atualmente, funcionam em Cabo Verde quatro bancos com autorização restrita, casos do Montepio Geral, BIC, Banco de Fomento Internacional (BFI) e Banco Privado Internacional (BPI).
De acordo com informação anterior prestada à Lusa pelo BCV, dois dos quatro bancos que operam em Cabo Verde com autorização restrita (Instituições de Crédito de Autorização Restrita — ICAR) solicitaram o alargamento da licença para utilização genérica (Instituições de Crédito de Autorização Genérica – ICAG).
O banco central não esclareceu quais os bancos que pediram o alargamento de licença, sendo que, conforme a garantia do Governo, os que não forem convertidos em ICAG serão encerrados até final do ano.
O banco BIC Cabo Verde, participado pela empresária angolana Isabel dos Santos e que está a ser inspecionado pelo banco central cabo-verdiano, apresentou lucros de mais de cinco milhões de euros em 2018, tendo apenas 12 trabalhadores.
No relatório e contas de 2018 do banco, consultado pela Lusa, é referido que o lucro do BIC Cabo Verde caiu 59,4% em 2018, face ao ano anterior, para 5,2 milhões de euros.
A Lusa noticiou anteriormente que a administração daquele banco não descarta um pedido de autorização genérica, para poder passar a realizar operações com clientes residentes.
O Governo cabo-verdiano anterior autorizou em 2013 a instalação do BIC, enquanto instituição financeira internacional, apenas para clientes não residentes, alegando que os promotores eram então “pessoas de mérito”.
A autorização para a criação daquele banco, detido por Isabel dos Santos, consta da portaria 37/2013, de julho de 2013 e consultada pela Lusa, assinada pela então ministra das Finanças e do Planeamento cabo-verdiana, Cristina Duarte, resultando da aquisição pelo banco angolano BIC SA do então Banco Português de Negócios em Cabo Verde.
O objetivo era manter o banco como Instituição Financeira Internacional (IFI), podendo apenas trabalhar com clientes não residentes, na modalidade de entidade autónoma, mas a própria portaria acabou por autorizar a sua criação a título excecional, invocando o interesse público, admitindo que entre os sócios de referência não constava — como a legislação determinava – uma instituição financeira com sede num país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Ainda assim, a autorização foi concedida pelo então Ministério das Finanças — último Governo do PAICV, atualmente na oposição -, após consulta do Banco de Cabo Verde, considerando que essa instalação correspondia “aos interesses de desenvolvimento económico do país” e que, “apesar de não existir um sócio de referência, os promotores são pessoas de mérito”.
Atualmente, Isabel dos Santos detém, indiretamente, através da Santoro Financial Holdings, SGPS, SA e da Finisantoro Holding Limited, 42,5% do capital social do Banco BIC Cabo Verde, embora “não exercendo qualquer função nos órgãos sociais da instituição”, segundo o BCV.